para Heleno de Freitas
Quando Heleno resolveu lutar já não vestia
uniforme completo, aquelas listras negras
verticais por cima do pano branco obrigatório.
Tinha os mesmos pés presidiários da mesmíssima
bola. Agora era uma bola de neve, não sintética
como antigamente. Uma bola de couro cabeludo,
coberta de gomalina. Dali, do último degrau da
arquibancada, Heleno apertava nas mãos o universo
- sua cabeça. A fábrica? Não tinha mudado. Apenas
vestígios de movimento na sanidade daquelas pernas
que suavam e se trocavam dentro das meias de treino.
Como se nada houvera acontecido. Somente Heleno,
no sol, sonhava sobre o campo de concentração. Na
grama continuavam dessa maneira torcendo tornozelos,
dobrando os joelhos enfaixados, ensopados no Kelene
do massagista
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Um cachorro malhado, saindo do concreto, pula o Morro
do Pasmado e desce para Heleno. Beija-lhe o cérebro.
Lambe seus olhos.
Ali está ele, Heleno
Jogado, imundo, morto
A bola nas mãos presa
Entre as orelhas a bola
No peito, a baba rolando
No ventre, o mapa gerindo
O gol para a placa das nuvens
E Zeus dos dedos olímpicos
Processa o dardo implacável
Ali está Heleno, ilhado
Sugado, preso, só
Pingando sangue e bandeiras
Dentro do círculo oficioso
Nos muros raspados do vestiário
Os companheiros montam pregos
Como se tudo fosse enferrujado
E tudo isso velho bastasse
Com pena e pá do juiz que mata
O coveiro prepara o vegetal
Riscando com a cal virgem
A margem do espetáculo
E ali está ele, dopado
Mortalizado no quadro
Dos profisionais da distância
Suspenso na ponte
Sentado no banco
Fechado no túnel
Expulso do campo