Poetas sem Fronteiras
Blogging in the Wind

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Eu, índio

                            

                                                               para Noel Nutels


Ah! Povo amado desarmado
Suas estradas cortam
As linhas do meu corpo

Em cada um sou aculturado
Com a pena de Debret sobre o gentio

Assumo o bater de teclas
Num piano branco de carnaúba

Pleno piedoso paternalista

Pregado

Com cravos da reforma
Do avô do pai do filho Rondon

E lendo a pauta dessa parede...

Ah!  Infância desamparada
Obrigada a vestir-se com o que há
De mais antigo

Suas contas sempre de vidro
Os colares, dados coloridos

Exclama a nação do Planalto:
É pacífico esconder as pirocas

Ah!  Meu irmão de bunda nua

Falta-me o concreto armado
Para o altar de palha
Ser confessionário de Tupã

E descobrir entre o riso
Desses dentes obturados
A procedência dos escárnios

Obrigado Doutor pela vacina
Já falo russo tenho maldade

Entendo Drummond de Andrade

25 de abril de 1974

               


                                                      (Vejo um dia claro
                                        E um berço cor-de-rosa
                                        Com a menina dentro

                                        Olho através da vidraça
                                        Observo à distância
                                        Na Beneficência Portuguesa)



Nada como um dia depois do outro

Nada como uma notícia boa
Escutada com ouvido na terra
Ainda que a mesma de sempre

Nada como uma etapa à toa
Alcançada com medo da guerra
Ainda que África e distante

Nada como um dia desses
O povo sair de novo
Com as bandeiras despregadas

Nada como o tudo consta
E o toureiro temer o touro
Se escondendo do vizinho

Nada como um dia depois do outro

Principalmente se for diferente

Bread Pit

Down



Que a suavidade de um lírio
À luz da lua
Seja a sombra da criança


Handle with care!


O lado do coração
Para cima

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

No canil com a monarquia*

                                                         Ilustração: Hélio Jesuíno

                                                         *com Kafka
                                                           com desaparecidos
                                                            à Sociedade Protetora


O tratador em férias entra no canil


É feriado


Ponto facultativo nas minas gerais


O rádio toca
Concerto primeiro em Sibemol menor
Opus vinte e três
Para piano e orquestra


Allegro non troppo e molto
Maestoso andantino semplice
Allegro con fuoco


(tempo: 1 8 7 4         34          Ilitch
                            em pleno verão)




O trono dourado está uma porqueira
Rodeado de bosta
Porque ela gosta


(O tratador suja os pés)


Ela
Pastora valquíria
Alteza das Bauhínias
De berço nobre - russofranco
Mãe: Valeska de Pontiac
Dia vinte um aquariana
Que já vai perto


E o registro assinala:
smcpa/spcpa
SBCPA (Sociedade Brasileira de Cães
                Pastores Alemães)


Filha bastarda de pai real também


                                 p
                                 a
                                 r
                                 a
                               
         espaço             o            reservado


                                 e
                                 p
                                 i
                                 t
                                 á
                                 f
                                 i
                                 o




Fêmea e virgem como Maria
Só cria quando cia
Ou já pode marchar


(aguardemos o biênio)


Alteza roi osso a partir do primeiro
                                          semestre
                           (contemos os dedos
                             na menstruação)


Fico parado
                        chama atenção
      Ando
Vem atrás
Uma pulga essa cachorra!


Dá-se um tiro
Escuta
Fica
Atenta
No pregunta
Não assunta


Alimentação?
(favor esquentar a razão)


Colherinha de Karo meia folha de gelatina
Cenoura vermelha crua
Abóbora aboborinha coração miúdo


Outra colherinha de farinha láctea
Para fazer o mingau mingau mingau


Maizena!!!!!!

Osso ponta de costela mignon


Medicina e farmácia tipo infantil
Bryrell vermífugo
Oxipon


(rainha não faz obra
  nem aos pequenos se dobra
  e a catequese vem com exu)


Até seis meses boca a dentro medida
Fornecida pela Camig


Viva a vacina neo new!
Cinomose vitamina rarical
Ostelin B12 Aderogil D3 cada vez


Pfizer!


Contra a ira - pecado capital
                 (usar câmera em plano alto)

 Ftalomicina meio pacote
(quando se toma uma onça
  é a única unidade referencial)


Informa o proprietário antigo:
  "A mãe foi vacinada durante a gravidez
    Repetir a dose nos filhotes
    41 dias pesou cinco quilos e cem
    40 dias - cinquinho pela manhã"


Na guerra intestina (fora os vermes)
Não abusar de Kaomagma
Somente uma de chá ela bebe
No chão, como o homônimo vietnamita


Muito exercício adestramento
Um exército enquanto é pequena


Passeios de pé jogos à bola


Antes de um ano poderá trotar com amizades


Um animal opala puxa o manto vermelho
- xilóide bronco fóssil refrigerado a ar
   motorautorizado


Fede num quartel de tempo
Mientra
Escobar cada dia o higiênico totó
Sujinho no ouvido que despista
Não vê a orelha crescer


"Depois que subir (orelha)
  Passar Anton"


Da Bayer!

"Pros mosquitos não morderem
  E ferir o cão"


  Quietate! Down! Sit! Quieta!


Mata!
Guetho gueixa morta
Segura!  O jornal entre os dentes
(a manchete é uma cariezinha)

 Isso! Ambiesquerdo central
Allright e teatral


Na viigésima quinta hora
Descalça no parque 
Saturday morning
Ela se liberta
Faz compras em butique pra elefante de
                                                        relógio
Rua bairro estado país (etiqueta Lee)


Espanando o pelo sabugo
Sabudo
Trotando continua


Ia 
Na volta da piscina hidrófoba
Ia


(sabe nadar a minha poesia)


Pia
Informa e é a empregada
  "Fica embaixo do fogão
    Adora!"


Pasmem cinegrafistas
Cinocéfalos!
Alteza escondida come gelo
(vive constipada essa menina)


Dantesca nova novíssima
Filha Valeska
Acariciada faz pipi


Perigo!  Bomba!


Afaste sua majestade:


Bombrio sabão em pó azeitonas
Objetos ponteagudos
Ossos de galinha e de coelho
Veneno de matar baratas ou rato


D e t e r g e n t e


(enfim de todo Caim)


Num caderninho escolar
As outras anotações aparecem
Nas idas ao veterinário mecânico
Receitas aulas vestuário


Hobby preferido e progresso
....................................................


PS: A cadela pastora alemã Alteza das 
       Bauhínias, filha de Valeska de Pontiac,
       musa do poema, autorizou a sua utilização
       exemplar.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Universidade



 A lâmpada apagada
  cai enforcada do teto

  Sua lingüística de fora
          (estalactite)
   Rabisca o lado da caverna
   do mestre-de-obras-alheias

    Não há contestação

    A porrada da Esfinge
     atinge a boca aberta
     do Corpo de Pés Inchados
     

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Overdog

      

                                                                     ao Surto
 
O cão sem dono
Pula o muro
         sem futuro
      
Dado ao adiantado
          da hora

Cai nos braços da Aurora

Greve do Cérebro


                                                              para Heleno de Freitas


Quando Heleno resolveu lutar já não vestia
uniforme completo, aquelas listras negras 
verticais por cima do pano branco obrigatório.
Tinha os mesmos pés presidiários da mesmíssima
bola.  Agora era uma bola de neve, não sintética
como antigamente.  Uma bola de couro cabeludo, 
coberta de gomalina.  Dali, do último degrau da
arquibancada, Heleno apertava nas mãos o universo
- sua cabeça.  A fábrica?  Não tinha mudado.  Apenas
vestígios de movimento na sanidade daquelas pernas
que suavam e se trocavam dentro das meias de treino.
Como se nada houvera acontecido.  Somente Heleno,
no sol, sonhava sobre o campo de concentração.  Na
grama continuavam dessa maneira torcendo tornozelos,
dobrando os joelhos enfaixados, ensopados no Kelene
do massagista

..........................................................................................

Um cachorro malhado, saindo do concreto, pula o Morro
do Pasmado e desce para Heleno.  Beija-lhe o cérebro.
Lambe seus olhos.

                            Ali está ele, Heleno
                            Jogado, imundo, morto

                            A bola nas mãos presa
                            Entre as orelhas a bola
                            No peito, a baba rolando
                            No ventre, o mapa gerindo
                            O gol para a placa das nuvens

                             E Zeus dos dedos olímpicos
                             Processa o dardo implacável

                             Ali está Heleno, ilhado
                             Sugado, preso, só
                             Pingando sangue e bandeiras
                             Dentro do círculo oficioso

                             Nos muros raspados do vestiário
                             Os companheiros montam pregos
                             Como se tudo fosse enferrujado
                             E tudo isso velho bastasse

                             Com pena e pá do juiz que mata
                             O coveiro prepara o vegetal
                             Riscando com a cal virgem
                             A margem do espetáculo

                              E ali está ele, dopado
                              Mortalizado no quadro
                              Dos profisionais da distância

                              Suspenso na ponte
                              Sentado no banco
                              Fechado no túnel
                              Expulso do campo

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Estethoscopio




"... minha língua calará os segredos que
  me forem revelados, o que terei como
  preceito de honra;  nunca me servirei
  da minha profissão para corromper os
  costumes ou favorecer o crime..."
                                      Hipócrates
 
Com o instrumento metálico
O homem de branco ouve
Atentamente
A resposta de negação

Pam Pam respondendo
Pam Pam Pam Pam Pam

Com delicadeza de dedos
Cobertos pela borracha
Pega no pulso macerado

Observa o relógio
Marcando hora qualquer
(o que importa são segundos)

A preocupação é patente
Da gente coberta esperando
Pam Pam Pam

O paciente abre os olhos
O clínico fecha a maleta

"Pois bem 
  Podem continuar
  Que desta vez ainda agüenta"

domingo, 2 de outubro de 2011

God



"Inagine there's no heaven
  it's easy if you try
  No hell below us
  Above us only sky"
  John Lennon


                   No muro da cidadela arrasada
                   Deus é rabiscado para conservar
                   O spray paleolítico


A coisa mais linda que existe é o pedaço de cimento