Poetas sem Fronteiras
Blogging in the Wind

sábado, 3 de agosto de 2013

Insone

Paul Delvaux (1897-1994) 
Para H. 



Queimando o chão em que pisa
Inesperada e áspera 
Vem nua de repente
Lisa na minha mente

Quente a voz rouca fanhosa
Melosa na boca rasgada
Violenta a imaginação

Avisa ausente 
Um som de ensino insolente
Dentro dos olhos-promessa

Brisa apressada
Que não precisa a hora
Da madrugada passada a limpo

E pressinto absorto no seu corpo
Entre os lençóis abusados

Frio orvalho trilhando atalhos
Em meu sexo molhado
No calor de uma noite de sol

Prólogo


"Em vida,
eu jamais teria sido tão cortês,
tal era o meu desejo de sobressair."
Dante Alighieri - Purgatório Divina Comédia 
(1265 // 1321) 


A gente morta
A fome e o pé descalço
O revólver o pé descalço
- A conjuntura

A gente morta
A fome o pé descalço
O revólver e o pé 
- A transição


 Rompeu-se o alicerce
A aranha já não mais tece

Na roda-terra é dia
De cabeça pra baixo
Parou
Na lama no sangue

Ah! Os pulhas que se arrumem
Uns aos outros se atirem
Nunca ninguém soube nadar
Só rezar comprar
Olhar olhar olhar

Apodrece sem água 
O vegetal insepulto
Nem choro nem flores
Nem nada vela
O cadáver insuportável

Na explosão de vermes atônitos
Forma-se a última coluna
- batalhão agora incerto

Dois a dois

Rompeu-se o alicerce
A aranha já não mais tece

No sino de bronze
A reza oficial 
Grita:
O fogo alto
Fumaça espessa
Asfixia

Lá o calor é eterno
Amém!
Todos para a eternidade!

E a canalha desfaz-se
Vira pó

No sol vivo atômico
Vale menos que um vômito
Presos numa poça só

Dois a dois

A cinza negra desenha
Eleva-se poluidora
O quadro do museu tropical

Le Bonde

O Êxtase de Santa Teresa (detalhe)
Bernini - 1647-1652



C'est extra

Mulheres de Santa
Protestam nos trilhos

Da ferrugem
Do descaso
 
Espiados por São Tomé
O crente místico voyer

Pequenos (médios) grandes lábios

Pedem estribos
Pelas ladeiras

In virgini veritas

Perdem estribeiras

segunda-feira, 22 de julho de 2013

O Porto

Para M.


Avistando-se de longe
Parece um porto gaulês
 
Pela quantidade de bandeiras fincadas
E a tez escura das nuvens no céu de anil
 
Pouco a pouco e de perto, não é um porto gaulês
 
Vê-se logo. Não é nenhum porto
 
Embarcações frágeis tentam encostar
Ao longo da ponte ameaçadora
Outras maiores vêm e vão pelo cais
Testando a força dos pilares do concreto armado
 
E das cordas de nylon jogadas pelos marinheiros
 
Enquanto seu barco negro balança
Um pescador arranca-lhe a vela. Aporta
Deixa-se ficar com a faca na mão
Calmamente atira pra longe lascas prateadas
Contorna a carne de uma mulher de madeira
 
- uma pequena sereia de seio farto, escama dura
E olhos  lunares cheios de água salgada de tanto chorar
Quando se completam com as ondas violentas do seu amor

Silêncio! 
 
Eles se atiram no mar!

domingo, 21 de julho de 2013

Personas


São seis horas da manhã

O sétimo ano se inicia

Inalterável e brasílico


E cada um escolhe uma cor

Que acena re-vo-lu-ci-o-ná-ri-o

Aos passantes desprevenidos


Com o berro do homem de barro

Por baixo das cruzes suadas

E círios acesos nas terras fixas

É acionada a nova partida


E cada um escuta um sino

Que soa graças ao Deus inexistente

A ouvidos desacompanhados


Lombo a lombo

A multidão recebe na praça

_ alguns com muita fumaça

A ordem unida de vida colorida

 

E cada um carrega uma flor de ferro

Que molha depressa nas cinco mãos

Dos seguranças infiltrados no chão

 

Em voz alta um livro repetido

É calendário facilitado

Como num espelho de vidro


E cada um é filósofo desta verdade

Como o número bem desenhado

Que assina como da primeira vez


sábado, 6 de julho de 2013

Três sorrisos

(decorar Rilze é difícil
quando felina se deita 
sempre sorrindo
e espera
a presa cativa de véspera)


Rilze é um sorriso suave

Ondulando no vento africano
A savana, a cor
O continente de Senghor

Quando entristece
Rilze é um sorriso triste

Forma a tarde do Congo
Onde em longo caminhar
Deposita no mar um ninho
_ Flores da sua certeza
Palha do seu carinho

Entregue às aves noturnas
Que voam a esconder
E olhar amanhecer

Rilze amanhece com o sol
Aos pedacinhos
Arrependida 
Pois sua cor é da quinta lua
Nua, negra, pura de luz